sexta-feira, 4 de setembro de 2009



O Banquete de Felipe Cordeiro: Brasilidade na medida certa
Camila Barbalho


Felipe Cordeiro faz parte de uma nova e competente safra de compositores paraenses. Inserido e confortável no cenário da música popular, Felipe traz no seu primeiro CD, “Banquete”, uma mistura agradável a quem contempla a obra. A começar pelo projeto gráfico: a capa do CD e as imagens no encarte remetem ao conceito de banquete dionisíaco, com cálices de vinho e corpos seminus. Na imagem impressa no próprio CD, porém, a referência muda – o Banquete agora é o livro de Platão.
No disco, o compositor traz quatorze canções bastante diferentes entre si. De tudo tem um pouco: samba, blues, bolero, melancolia e inquietação, levadas suingadinhas e trompetes chorosos... Seja pela variedade de timbres (Felipe chamou doze intérpretes para dividir as faixas, já que o mesmo não canta) ou pela de estilos, “Banquete” consegue a raridade de ser diverso sem ser disperso. Todas as músicas possuem a identidade de Cordeiro impressa nas letras e nos arranjos – que ora parecem pertencer a esse cenário de cancioneiro popular, ora surpreendem com leituras modernas e complexas, como as faixas “Banquete” e “Tambor Moderno”, ambas interpretadas por Karina Ninni. Pode-se dizer que não há uma música que se deva pular ao ouvir “Banquete”, que soa muito melhor quando contemplado por inteiro.
Felipe nos fala por meio de vários personagens. Na valsinha “Desfigurado”, ponto alto do disco e interpretada por Arthur Nogueira, o compositor faz um passeio urbano, solitário e melancólico, de alguém que tenta se situar e desconstruir sua realidade na poesia: “eis que decido num espanto dar a meia volta/ riscar a avenida, traçar a medida do canto, do fausto/ cravar no asfalto a revolta, a guerrilha/ e ao chegar em casa vou produzir versos em largas escalas/ romper com as escolas/ viver nas imagens já desfiguradas da minha figura”. Parece ter saído de algum grande musical, o que é reforçado pelo tema instrumental ao fim da canção (composto pelo seu pai, Manoel Cordeiro, músico das antigas que fez parte do Warilou, a célebre banda de lambada).
Em “Obscena”, Andréia Pinheiro interpreta uma atriz que, ao encenar uma prostituta, não conseguiu se desvencilhar do personagem. O arranjo é inquieto; e a melodia, dolorosa – acompanhada de fraseados de trompete tão pungentes quanto. “Na Paisagem” é uma faixa bem radiofônica, com linhas de baixo e bateria quebradas que lembram um pouco a sonoridade de Djavan, o que é fortalecido pela interpretação limpa e leve de Olivar Barreto. A letra é bonitinha e passa uma idéia positiva de não se prender às coisas trágicas: “sem trégua, a vida segue e vai/ sem mágoa, a vida quer viver”. “Sem Porquê” é uma marchinha saudosista e romântica interpretada por Lívia Rodrigues, que aconselha: “deixa o coração corar no turbilhão/ deixa amar no chão e no mar”.
O compositor, que já trabalhou com trilha sonora para peças de teatro, acerta a mão em mais uma característica: suas músicas são bastante imagéticas. Cheias de jogos de palavras – como na faixa “Um!”, cuja autoria ele divide com Marcelo Sirotheau e Joãozinho Gomes: “Estou comum em Estocolmo, como você em Istambul/ Eu estou bambo a desejar teu corpo nu/ Rimbaud, não Rambo” – e referências literárias (como uma citação de Nietzsche na faixa “Relicário”), quem ouve o “Banquete” se sente transportado para dentro de seu próprio cenário, cheio de cores, que levanta a bandeira da brasilidade sem cair no óbvio ou no piegas. Com esse primeiro trabalho, Felipe Cordeiro confirma o que diz o refrão da faixa-título do CD: ele tem o jeito de dar o tom.