quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Fernando Pessoa; Paganismo; Cristianismo; Decadência


Traços do Paganismo em Fernando Pessoa

Fernando Pessoa, poeta estimulado pela filosofia, desenvolve em diversos textos, sobretudo nos seus escritos teóricos em prosa, a idéia de um paganismo de caráter anticristão, trata-se de um sistema pagão que estaria recalcado pela doença moderna, fruto da interiorização da religião cristã, onde se vê também que a própria civilização moderna seria reflexo imediato de idéias cristãs que contrariam a natureza humana, uma religião não-natural que se infiltrou na sensibilidade do homem e precisa ser combatida.
Pessoa sustenta que o paganismo é a mais natural das religiões, pois é ancorada em preceitos que elevam a sensibilidade e orientam a atividade social estimulando o espírito humano de maneira mais livre e harmônica. O poeta fundamenta esse entendimento, basicamente, de três modos, a saber, a religião pagã é politeísta, portanto adequada ao modo como a realidade “para nós” aparece, isto é, de maneira diretamente plural, não há na natureza uma unidade, mas “muitas coisas” que atingem nossa sensação, assim, a religião, a partir do fato de que aparece para nós como uma realidade externa deve corresponder à característica fundamental da realidade exterior; a religião pagã é humana, assim os atos dos seus deuses são atos magnificados de homens, os deuses são, portanto, super-humanos e não anti-humanos; a religião pagã é política no sentido de que é parte da vida da cidade ou do estado, não visando o universalismo. Segundo Pessoa, em todas as outras religiões há um afastamento dessa visão, que por conseqüência veio a provocar civilizações decadentes, posto que, são desenvolvidas a partir de princípios que desprezam a vida.
[...]


A intervenção cirúrgica anticristã”, segundo Álvaro de Campo. Extraído de Obras em Prosa, Editora Nova Aguilar. (recortes do texto original)


1. ABOLIÇÃO DO DOGMA DA PERSONALIDADE

Resultados:
a) Em política: abolição total do conceito de democracia, conforme a Revolução Francesa, pelo qual dois homens correm mais que um homem só, o que é falso, porque um homem que vale por dois é que corre mais que um homem só! Um mais um não são mais do que um, enquanto um e um não forma aquele Um a que se chama Dois. – Substituição, portanto à Democracia, da Ditadura, do Completo, do Homem que seja, em si-próprio, o maior número de Outros; que seja, portanto, A Maioria. Encontra-se assim o Grande Sentido da Democracia, contrário em absoluto ao da atual, que aliás, nunca existiu.
b) Em arte: abolição total do conceito de que cada indivíduo tem o direito ou o dever de exprimir o que sente. Só tem o direito ou o dever de exprimir o que sente, em arte, o indivíduo que sente por vários. Não confundir com “a expressão da Época”, que é buscada pelos indivíduos que nem sabem sentir por si-próprios.

2. ABOLIÇÃO DO PRECONCEITO DA INDIVIDUALIDADE


Resultados:
a) Em política: a abolição de toda a convicção que dure mais que um estado de espírito, o desaparecimento total de toda a fixidez de opiniões e de modos-de-ver; desaparecimento portanto de todas as instituições que se apóiem no fato de qualquer “opinião pública” poder durar mais de meia-hora. A solução de um problema num dado momento histórico será feita pela coordenação ditatorial dos impulsos do momento dos componentes humanos de esse problema, que é uma cousa puramente subjetiva, é claro. Abolição total do passado e do futuro como elementos com que se conte, ou em que se pense, nas soluções políticas. Quebra inteira de todas as continuidades.
b) Em arte: abolição do dogma da individualidade artística. O maior artista será o que menos se definir, e o que escrever em mais gêneros com mais contradições e dissemelhanças. Nenhum artista deverá ter só uma personalidade. Deverá ter várias, organizando cada uma por reunião concretizada de estados de alma semelhantes, dissipando assim a ficção grosseira de que é uno e indivisível.

3. ABOLIÇÃO DO DOGMA DO OBJETIVISMO PESSOAL


A objetividade é uma média grosseira entre as subjetividades parciais. Se uma sociedade for composta, por ex., de cinco homens, a, b, c, d, e e, a “verdade” ou “objetividade” para essa sociedade será representada por:


a + b + c + d + e
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5


No futuro cada indivíduo deve tender para realizar em si esta média. Tendência, portanto de cada indivíduo, ou, pelo menos de cada indivíduo superior, a ser uma harmonia entre as subjetividades alheias (das quais a própria faz parte), para assim se aproximar o mais possível d’aquela Verdade-Infinito, para a qual idealmente tende a série numérica das verdades parciais.
a) Em política: o domínio apenas do indivíduo ou dos indivíduos que sejam hábeis Realizadores de Médias, desaparecendo por completo o conceito de que a qualquer indivíduo é lícito ter opiniões sobre política (como sobre qualquer outra coisa), pois que só pode ter opiniões o que for Média.
b) Em arte: abolição do conceito de Expressão, substituído por o de Ente-expressão. Só o que tiver a consciência plena de estar exprimindo as opiniões de pessoa nenhuma (o que for Média portanto) pode ter alcance

Resultados finais, sintéticos:
a) Em política: monarquia científica antitradicionalista e anti-hereditária, absolutamente espontânea pelo aparecimento sempre imprevisto do Rei-Média. Relegação do Povo ao seu papel cientificamente natural de mero fixador de impulsos de momento.
b) Em arte: substituição da expressão de uma época por trinta ou quarenta poetas, por a sua expressão por (por ex.), dois poetas cada um com quinze ou vinte personalidades, cada uma das quais seja uma Média entre correntes sociais do momento.Em filosofia: integração da filosofia na arte e na ciência; desaparecimento, portanto, da filosofia como metafísica-ciência. Desaparecimento de todas as formas do sentimento religioso (desde o cristianismo ao humanitarismo revolucionário), por não representarem uma Média.

3 comentários:

Isadora Moraes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
oavessodaletramorta disse...

Por que você apagou Luiza?!

Isadora Moraes disse...

o que eu tinha pra dizer era dissonante. deixa pra lá...