segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Por que não sou chato?
Impressões do festival RBA de música popular paraense


Primeiro fiquei me perguntando o que seria um festival de música popular paraense? Já que música popular paraense pode ser admitida em duas acepções, a saber: uma no sentido de que existe um estilo chamado música popular paraense ou mpp (alguns usam essa sigla) e outra de que existe uma música popular no Pará, isto é, uma música não-erudita e, portanto de caráter popular. Só que nesta segunda acepção mora uma confusão conceitual universal, é que às vezes o não-erudito se relaciona por oposição ao que é popular e em outras, não-erudito é um dos lados da dicotomia, mas desta vez em relação ao massificado. Isso quer dizer que muitas vezes as pessoas não entendem popular como sendo sinônimo de massificado. Portanto, segundo esta visão, cultura popular é uma coisa e cultura de massas é outra. Em geral essa visão da cultura tende a ser negativa em relação à cultura de massas, aliando esta a um comportamento de consumismo excessivo e medíocre, conseqüência da desvalorização que o liberalismo econômico envenena no sistema capitalista, desvalorizando, portanto, a obra de arte séria, a obra de arte que não é a de puro entretenimento.
A alemã Hannah Arendt pensava assim. Eu sempre a achei ingênua, uma idealista boba e meia boca. Já o americano Andy Warhol, mesmo que sua porralouquice infantil fosse capaz de diminuir seu valor artístico perante a opinião pública intelectual, pensava de maneira bem interessante esta questão, e hoje, o tempo mostra que ele estava certo e foi realmente um homem genial nas suas premissas. Ora, convenhamos, um cara que é capaz de criar mitos no mundo moderno e de dizer que o mito moderno é algo vazio, é genial (embora todo mundo saiba disso, sem saber contar). Marilyn Monroe era linda e tinha qualidades artísticas (pelo menos fotográficas e de carisma), mas, sobretudo, era absolutamente vazia, assim como toda “celebridade” de um modo geral. Não esquecemos que há muitos intelectuais igualmente vazios.
As referências críticas de Hannah contra a indústria cultural são frágeis. Bastar ver que o critério de durabilidade de uma obra de arte é vacilante quando o assunto é teatro, a arte que não fica. Mesmo em música eu poderia pensar em contradições. Contradição é um perigo para os idealistas. A não ser contradições lógicas.
De fato o que me instigava no começo do festival era em qual das duas acepções seria tomada a idéia de música popular paraense. Sei que ninguém do grupo RBA fez tal reflexão sobre o assunto, será que saberiam fazer? Os compositores em geral eu sei que não sabem. Mas sempre que vem um festival, vem junto também mais ou menos consciente, uma proposta de festival, isto é, um pensamento sobre o que é um festival e que papel ele deverá cumprir. Esse festival se propôs formalmente a abarcar a diversidade da música popular paraense. Na minha cabeça, continuava a ambigüidade, já que não era esclarecido o questionamento que fiz anteriormente, isto é, o que é música popular paraense?
Já vi o Paulo André Barata, falando sobre o assunto, certa vez, numa entrevista no Sem Censura Pará, disse ele que não concordava com a expressão música popular paraense, só concebia a idéia de música popular brasileira, pois não existiria uma música popular mineira, uma música popular carioca, uma música popular alagoana, uma música popular capixaba. Acho engraçado, no entanto, a relação de identidade que existe em algumas concepções da questão (não é bem o caso do Paulo André), entre música popular brasileira e música popular carioca, para muitos, música popular brasileira pode se resumir, em essência, à música popular carioca. O samba expressa a alma do brasileiro (o carioca acredita em alma). Assim nem a milonga sulista, nem o marabaixo amapaense fazem parte de fato da tradição da música popular brasileira. Eis uma curiosidade sintomática da nossa louvação dogmática aos malandros cariocas, que com seu jeito de SER “contagiam” e “convencem” muitos brasileiros.
Está certo que a Globo ajuda. Está certo que o fato de o Rio ter sido capital do Brasil ajuda. Por que será que entre tantos ritmos ricos que vieram das diversas regiões da áfrica durante a colonização e o período escravista (o negro por baixo), logo o samba se tornou a “tradução da alma brasileira”? Salvador foi a primeira capital, o Rio a segunda, o samba (segundo diz o mito) chegou ao Rio vindo da Bahia através das tias Ciatas, será isso mesmo? Os cariocas aplicam muito! Assim como os paraenses (sobretudo do interior), é preciso ficar com um pé atrás. Muita coisa ajuda o carioca. Eu tenho medo dos cariocas. Mas medo no sentido metafórico. Paraenses são cariocas. Pernambucanos (apesar de estarem no litoral do território brasileiro) são paulistas. Não sou de nenhum lugar. Nenhuma pátria me pariu. Eu não to nem aí. Eu não to nem aqui. Desculpa Arnaldo, durma em paz novamente! Voltando...
É mentira minha (paraense mente), sou paraense sim. Pelo menos sou mais paraense do que carioca. Mas o que é SER paraense? Não sei, mas sou. Na modernidade acostumou-se a pensar a idéia de identidade - seja de um povo, seja de um indivíduo isolado - como sendo “mutante”, sendo “líquida”. Houve uma quebra de paradigma. O homem moderno não é “um”. Fernando Pessoa foi o primeiro caso radical em nossos tempos, embora Nietzsche já tivesse deixado o caminho aberto, desse homem que É tantos. Na verdade, Pessoa e o homem contemporâneo em geral vai até mais fundo, e, se pergunta: “sou alguém quando sinto SER?” Sabemos o que sentimos?
O homem moderno coloca em novos termos o velho questionamento grego da existência sobre o SER. Platão, Descartes, Shakespeare e Fernando Pessoa foram grandes porque não só não fugiram dessa questão como deram respostas geniais sobre a questão do SER.
Ora, perguntar sobre o que é música popular paraense, o que é diversidade na música popular paraense, o que é música popular paraense hoje são os únicos questionamentos sérios possíveis para um compositor, um músico ou um comentador de música no/do Pará que quer ser levado a sério quando fala desse assunto.
Esse festival ousou colocar (de maneira inconsciente certamente) essas questões e para mim, justamente por isso, foi o festival mais interessante que já participei. Coisa que falta no paraense e no carioca é ousadia. Ô povinho pateta! Ô malandragem mané! Já foi pior, houve um tempo (e ele ainda está por aí – cada SER ESTÁ) que a canção de um festival tinha que ter uma “cara”, isso porque música não é necessariamente canção (o meu conceito grosso modo de canção: música e “letra” articuladas num jogo poético e musical) e os festivais eram e ainda são em geral os “festivais da canção”.
Esse festival não estava interessado em levantar a bola das canções (embora a grande vencedora tenha sido uma canção clássica, aliás, bela canção clássica), por isso um grande número de músicas dançantes e outras em que grooves cíclicos acompanhavam letras bem prosaicas (de inspiração pobre). Eu digo que a prosa é superior à poesia, na verdade penso assim, porque sei que só existe uma coisa: idéia expressa em palavras. Um texto onde haja excesso de poesia acostuma os sentidos a uma doçura imprestável e a um cansaço das sensações (as canções tradicionais, quando mal feitas vão por esse caminho, isso do ponto de visto da “letra”).
Igualmente um excesso de prosa em função de uma desvalorização da “poesia”, ou melhor, da função poética cai numa falta de criatividade e talento para o simbólico, isto é, para criar realidades ou simplesmente, para criar. Por isso os grandes poetas são os que equalizam a relação entre prosaico e função poética. Com efeito, sabemos que num poema não existe só poesia, mas unicamente sua diferença em relação a textos não poéticos é o fato de que nele a função poética é a principal, nunca a única função. Por isso Fernando Pessoa, Shakespeare, Vinícius de Morais, Walt Whitman, Aldir Blanc, Caetano Veloso, Ruy Barata são grandes poetas.
Exatamente por isso um Paulo César Pinheiro, por exemplo, pelo excesso de prosa em relação à falta de sensibilidade para a criação de realidades, talvez uma deficiência na função imaginativa, é um poeta menor (se formos tratar compositores como poetas). Assim diria um Mário Faustino, eu diria a mesma coisa de outro jeito...Às vezes é preciso filosofar com um martelo, todos querem isso mas poucos sabem usar o martelo. Não filosofo com martelo, até tenho talento, eu seria infeliz.
O verso poético só se difere da prosa em relação ao ritmo. Ritmo se relaciona com a variação de silencio e emissão do som. O silêncio é a falta de som, portanto é pausa. Pausa é algo que existe assim como o não-ser. A pausa dura mais ou dura menos, só isso. A pausa na prosa se dá na Pontuação. No verso a pausa se dá na “mudança de linha” para acentuar a emoção, isso porque o verso é a linguagem do sentimento cantado enquanto a prosa é a linguagem falada escrita.
Um grande intérprete de música popular pra poder sê-lo deve “acreditar” na letra, além de acreditar na melodia. Porque a letra de uma música traduz uma idéia. Se for uma música sem letra, só melodia, não tem idéia, só sentimento (no máximo), já que sentimento é a lembrança de uma sensação. O correto para um intérprete de música instrumental é entregar o seu material vocal a uma sensação, entrega-lo a um sentimento é não saber o que está dizendo, já que não tem nada a se dizer. Aqui cabe ressaltar uma especificidade existente na música popular, existem de maneira bem definida dois tipos de cantores: os que são instrumentistas vocais e os que são intérpretes. O primeiro usa seu aparelho vocal de modo estritamente musical. O segundo alia elementos do teatro, do sentimento (que é um fingimento) ou até mesmo, em alguns casos da performance oriunda, sobretudo da cultura pop. Os jurados de um festival, sempre privilegiam um dos tipos, ora um, ora outro. Os músicos preferem o primeiro, mas há aqueles que valorizam mais ou menos o segundo. O público médio prefere radicalmente o segundo, quase sempre pela falta de sensibilidade musical.
O festival me surpreendeu. Fez escolhas não óbvias. Foi sério e generoso com todos. Eu pensava que podia ganhar algo e ganhei o segundo lugar. Fiquei muito feliz. Em primeiro lugar a música linda, bem tocada e bem cantada, pela grande Andréa Pinheiro, de autoria de Jacinto Kahwage. Uma música de inspiração jazzista que não tinha nada a ver com uma idéia tradicional de música popular paraense. Nesse ponto minha música também se assemelha a do Jacinto, mesmo que fale em “Remo e Tuna” sua sonoridade em nada lembra a timbragem étnica amazônica, minha música é americana, assim como a do Jacinto. O terceiro lugar ficou com Tinhosa de Carla Cabral e Camila Alves, defendida pela Juliana Sinimbú, um xote gracioso. Olha presença do nordeste na música paraense!
Melhor intérprete ficou com Aíla Magalhães, é o segundo festival que participa e o segundo que ganha o prêmio, ela tem “algo”. Eu sei o que é, mas sou vou falar a metade, ela acreditou na letra da minha música mais do que qualquer outra intérprete. A letra ajuda o intérprete, é como no teatro, o ator só nos emociona quando ele acredita plenamente no que diz. Ela foi fundo na letra de À Sua Maneira. Ou será que comprou o Júri? Sempre escuto algo assim por aí. Da próxima vez vou pedir pra ela não comprar ninguém e me dar um pouco desse dinheiro.
Embora eu não dê minha opinião de graça, isto é, só dou quando me perguntam, eu desde o começo do festival queria colocar minhas impressões em palavras, porque no festival muitas coisas aparecem, há muitos testes. O principal deles é o teste da vaidade. Acho muito chato as pessoas saírem me dando suas opiniões sobre o festival (ou qualquer coisa e isso é um lado meu chato) sem eu perguntar, no fundo, eu discrimino logo, mesmo que sejam opiniões favoráveis (Não há indiscrição maior do que um elogio). Porque fica parecendo que está subentendido que a opinião daquela pessoa é importante para a outra. É como um time de futebol que marca um jogo com o outro sem comunicar previamente. E geralmente esse time ainda pensa em entrar em campo de salto alto. Mulher não sabe jogar bola, por isso todo time que entra de salto alto perde. Assim como em política, todo forte adversário, que deixa transparecer favoritismo perde (quase sempre). Por isso não sou chato, porque entro em campo pra jogar bola e falar só o necessário na hora certa (a hora do jogo), às vezes ganho, às vezes perco, é normal...por isso não sou chato, porque não tenho afetações nos comentários que faço, nem sobre futebol, nem sobre política e nem sobre música...por isso não sou chato, porque pra mim música é música e futebol é futebol...festival de música popular não é bingo!

2 comentários:

TIAGO JULIO MARTINS disse...

Ah, sei que muita gente já te disse isso, e eu acho até meio desnecessário esse comentário, tendo em vista tu não me conhecer e, provavelmente, um 'parabéns' meu significar só outro 'parabéns' a mais desses muitos que tu já recebeu... Enfim, sei lá porque falei essa merda.

Parabéns, Filipe, ter ficado em casa naquela noite tediosa
assistindo TV me proporcionou surpresas muito agradáveis. Nunca pensei ouvir uma música como a tua num festival de "música popular paraense", pelo menos no meu conceito idiota de "música popular paraense". Tanto a letra como a melodia, super inteligentes, renovaram a minha esperança de que que as coisas realmente boas ainda hão de ser reconhecidas e valorizadas com a justiça que merecem.
E, como sei que o reconhecimento é uma coisa muitíssimo importante, te deixo aqui um parabéns a mais.

oavessodaletramorta disse...

Caro Tiago,
não lhe conhecer, nesse caso, é até mais interessante, pois há certa imparcialidade no comentário que fizeste...ehehe
muito obrigado pelo "parabéns a mais", nunca é demais, fico muito feliz que a música tenha tocado as pessoas, esse era o grande objetivo, participar de um festival popular com uma musica popular...
Fiquemos em contato por aqui...
O show de lançamento do meu cd Banquete será neste sábado dia 22 no Margarida Schivasappa do Centur, Às 20:30h...VÁ LÁ...
Abração!!
escute no www.myspace.com/fcordeiro
algumas faixas...